Assim no Mundo Todo

Uma carta para você

Você costumava ser tão doce, tão você. Sinto saudade de quando você era simples, quando a gente discutia horas e quando eu era a primeira (ou a segunda) pessoa com quem desabafava, que contava seus segredos, suas dúvidas. Sinto falta de tanta coisa, mas principalmente de fazer parte da sua vida. Queria que tudo fosse como costumava ser.
De repente você acordou e me viu com outros olhos, olhos que a gente não concordava, que a gente não se conformava. Esses olhos que já foram, por tantas vezes, tema das nossas discussões inteligentes pela madrugada. Você se tornou o que você achava errado, o que te fazia mal.
Infelizmente nós não podemos pensar por ninguém e nem salvar a alma de ninguém, mas eu sempre quis te salvar, principalmente agora, que está prestes a partir, e sei que no fundo você sabe que provavelmente vai ser a maior idiotice da sua vida. Te falta amadurecer e perceber o mundo com seus olhos, e não com os olhos de quem não quer enxergar.
Sinto sua falta, sinto falta de contar tudo sobre mim e saber tudo sobre você. Nós nem nos conhecemos mais. Queria que tivesse o mundo em suas mãos, e com sua delicadeza e excesso de fofura, o mundo seria um lugar melhor, com certeza.
Mas pensamentos retrógrados e mentiras afastam tudo de maravilhoso que o mundo pode te proporcionar. Você está presa numa caixa há tão pouco tempo, e foi o suficiente para te mudar da água para o vinho. Da água para o vinho...  
Talvez você queira provar alguma coisa, talvez você esteja querendo provocar alguém, ou talvez isso seja “uma fase”, espero que seja, quero acreditar que sim mesmo sabendo que, infelizmente, não é.
Quando eu era mais nova, ouvi alguém dizer que existem dois tipos de pessoas no mundo, os inteligentes, que aprendem com suas próprias experiências, com seus próprios erros, e os sábios, que aprendem com as experiências dos outros. Sempre pensei que você fosse sábia. Espero, do fundo do meu coração, que você seja.


2x03 O dia em que eu resolvi pular (o Carnaval)

Meu nome é Astolfo Amaral, tenho 50 e tantos, nasci em Recife e desde criança sou muito recatado. Não era arteiro como meus primos e amigos, sempre fui mais recluso e muitas vezes preferia brincar sozinho para não fazer bagunça. 

Eu cresci e, comigo, minha quietude. Por vezes fui o centro das atenções nas reuniões familiares porque um cunhado mais piadista resolvia tirar sarro da minha cara por eu ser tão calado. Minha mulher e filhos reclamam, dizem que eu não aproveito a vida. "Ora, mas eu aproveito sim, só não sou tão expansivo", digo eu. Eles aceitam, às vezes, para não criar caso. Quando não, sou eu que prometo que vou ser mais falador, mais extrovertido.

- Amaral, meu rapaz, tu tem que te soltar mais. - me disse Gio (o cunhado piadista), certo dia.
- Mas, Gio, eu sou assim, meu velho. Sempre fui, não dá pra mudar. - respondo tentando convencê-lo.
- Mas se não dá! Rapaz, toma uma lapadinha dessa caninha que tu fica em ponto de bala! 
- Home...

Acabei cedendo daquela vez, mas todos se decepcionaram, continuei eu mesmo. É, parecia que meu "ponto de bala" era calado e tímido, como de costume. Depois daquela ocasião a família resolveu dar uma trégua e não me cobrar mais para que eu fosse mais saidinho... Até que chegou o Carnaval. 

Nunca fui muito de sair no Carnaval. Ainda criança, arriscava a me fantasiar e brincar com a molecada da rua enquanto os blocos passavam em frente de casa. Na adolescência, me atrevi a ir em alguns bailes. Agora, adulto, só pego a mulher e a pirralhada, coloco no carro e vou para a praia. Nada de folia, nada de Galo, nada de Maracatu. 

- E aí, Totinha, meu velho! Carnaval vai ser aqui em casa, visse? Traz Cuca e as crianças que vai ser massa. 
- Diz lá, Marcelão! Rapaz, tu sabe que eu não gosto muito, tô pensando em ir pra praia.
- De novo? Faz isso não. Todo mundo tá vindo pra cá e eu faço questão da tua presença.
- Mas aí todo mundo vai ficar me aperreando, tu sabe... 
- Deixa disso e vem! 

Cedi, mais uma vez, e fui passar o Carnaval na casa de Marcelo, amigo de longa data. Chegando lá, parentes, amigos mais chegados e...

- Gio! Como é que tá? - perguntei já sabendo o que vinha pela frente.
- Amaral, hoje tu não me escapa!
- E em algum dia eu consegui essa proeza?
- Deixe Cuca e os meninos aí e venha cá comigo. Tenho uma belezinha pra te mostrar.
- Eita, belezinha? Tá certo. - por um momento cheguei a acreditar que ele tinha largado do meu pé com a história da afoiteza.
- COMO É? Cachaça levanta touro? E por acaso eu tô derrubado, Giovane? - me revoltei valendo.
- E não tá, não? Deixe de coisa e tome. Só um golinho. 
- Bicho...
- Menino, se tu não te soltar hoje com essa danadinha eu prometo que nunca mais te aperreio com isso.
- Promete?
- Juro!
- Ó...
- Tome logo!

E eu tomei. E o resultado vocês podem conferir no vídeo abaixo que algum engraçadinho da família fez. 








*Vídeo feito hoje, por mim, enquanto um bloco de carnaval passava na frente de casa. Alguém aí tem um parente (ou é) como o "Sr. Astolfo"?


2x02 Homem Morcego

- Oi!
- Oi!
- O que cê tá fazendo?
- Tentando escrever uma história para a aula de Redação.
- Tá conseguindo?
- Não.
- Que droga!
- É, droga mesmo.
- Quer ajuda?
- Quero!
- Êba! Vamos lá...

       “Era uma vez...

- Era uma vez?
- É, era uma vez!
- Muito clichê.
- E daí? Os grandes sucessos são clichês.
- São?
- São.
- Tá certo.

       “Era uma vez um rapaz que gostava muito de passear...

- De busão!
- De busão?
- É, de busão. O ônibus na cidade dele é confortável, tem ar-condicionado e os passageiros são todos bacanas.
- Ah, então tá. 

       “Era uma vez um rapaz que gostava muito de passear de ônibus. Não estranhe, na cidade do rapaz os ônibus eram todos muito confortáveis, tinham ar-condicionado pra ninguém precisar suportar o calor infernal e todos os passageiros eram muito educados. Em um de seus passeios...

- Ao zoológico! Ele adorava animais. Talvez fosse veterinário... Seu bicho preferido era o tigre. E, olha que coincidência, novos tigres haviam chegado ao zoológico naquela semana.
- Eu também gosto de tigres, eles são bonitos. Mas o que aconteceu ao rapaz naquele passeio?
- Ele viu uma moça.
- Blergh. Já vai colocar coisa de amorzinho na história.
- Cala a boca e escreve.

       “Era uma vez um rapaz que gostava muito de passear de ônibus. Não estranhe, na cidade do rapaz os ônibus eram todos muito confortáveis, tinham ar-condicionado pra ninguém precisar suportar o calor infernal e todos os passageiros eram muito educados. Em um de seus passeios, decidiu que sua parada seria o zoológico, o rapaz adorava animais. Não sei, mas acho que ele era veterinário. Seu bicho favorito era o tigre e, naquela semana, uma nova família de tigres havia chegado para morar no zoológico. 
      Logo que chegara ao lugar avistou uma moça comprando pipoca. Ela não era simplesmente uma moça, era A moça mais bonita que o rapaz já vira na vida. Apressou o passo para alcançá-la, mas a mocinha foi mais rápida e desapareceu antes que ele pudesse pedir “Uma pipoca salgada, por favor”. Deu de ombros e seguiu seu passeio...

- E então um tigre fugiu e fez o maior bafafá no zoológico. Senhoras e crianças correndo de um lado para o outro, os animais se agitaram em suas jaulas...
- E aí o rapaz encontra a moça...
- Mas não antes de um tigre tentar engolir a cabeça dela...
- Só que o rapaz chega bem a tempo e a salva...
- E nesta hora o rapaz lhe revela sua identidade secreta...
- Ele é o Superman...
- Não, o Superman não, ele usa cueca por cima da calça.
- Ele é o Ciclope!
- Não! Você não tem juízo, menina? Ele é o Batman!
- Aff, tá certo. Então quando ele revela para a moça que, na verdade, o pacato rapaz de olhar doce e sorriso tímido é o Batman, protetor de Gotham, a mocinha toca-lhe a face e o rapaz é surpreendido: toda a força abandona seu corpo. “E eu sou a Vampira, garanhão”...
- MEU DEUS DO CÉU! Você está ficando maluca? 
- Não. Por que?
- ELE É O BATMAN, MULHER!
- E daí? ELA É A VAMPIRA, HOMEM!
- Mas o Batman é O BATMAN. 
- Que chato, você. 
- Não sou chato. Você que não sabe escrever uma história legal.
- Eu? 
- É, você.
- Vou embora. Fica aí você e o seu Batman. 
- Já vai tarde, hunf.


                                   

2x01 Wasteland

Liberdade, muitas vezes, é sinônimo de solidão. Não me arrependi do que fiz em momento algum e não faria diferente, mas a solidão... essa me persegue por todos os lugares e ás vezes me sufoca à noite.  Sinceramente, não consigo parar de pensar em como seria se não tivesse ido. Dá um aperto no peito, um nó na garganta e até escorre uma lágrima. É tanta saudade... se pelo menos não tivesse queimado nossas fotos, talvez fosse mais fácil viver. Não consigo me lembrar do seu rosto, mas sei que foi o mais lindo que já vi em toda minha vida. 
Aqui é perfeito em todos os minutos do dia, cada segundo é mágico. Mas a solidão torna tudo tão desagradável e difícil. A maneira que fui embora foi tão patética, apesar de libertadora. E não troco minha liberdade por nada, NADA.
Mas estar sozinho não é fácil. Se eu morresse agora mesmo, ninguém saberia. Talvez daqui algumas semanas ou meses, quando o odor da putrefação atraisse algum nariz curioso. Quem choraria minha morte? Lamentaria minha ida aos céus (ou infernos, quem sabe). É como sempre digo, a solidão é o destino mais cruel  que uma pessoa pode ter.
Sinto falta de tudo, do cheiro de café fresco às 6 da manhã... e como eu odiava acordar às 6 com esse cheiro de café e você batendo a porta da geladeira. Sinto falta do seu perfume que me fazia espirrar e do cheiro de esmalte que, toda quinta-feira,  me tirava de casa. Deveria ter ficado todas essas quintas-feiras te vendo pintar as unhas. Era tão lindo quando a luz batia nos seus cabelos, parecia um anjo. Quem sabe assim lembraria melhor do seu rosto.
Não me arrependo. Apenas trocaria alguns momentos da mais extrema solidão para sentir seu cheiro de novo. Do cheiro me lembro muito bem, era como viver no paraíso. 
Queria ter me despedido, mas seriam tantas perguntas e lágrimas, não conseguiria ir. Você sabe que odeio despedidas. Por odiar despedidas e explicações, não deixei nenhum bilhete de adeus. Te devo isso há tanto tempo que não me lembro mais exatamente quanto.
Então, adeus, tenha uma boa vida e esqueça de mim (se não já esqueceu). Nunca me arrependi nem por um segundo ter te deixado, e faria de novo se pudesse, apesar de te amar. Te amarei até meu último suspiro. Perdão, adeus.

2x00 Season iniciale

Mais um ano chegou ao fim e, junto a ele, a primeira de muitas temporadas do Assim no Mundo Todo. Animados para a próxima? Bom, nós estamos, bastante! Principalmente porque esperamos que este novo ano seja de grandes novidades e surpresas para o blog - sejam lá novas parcerias ou uma criatividade surreal para as muitas histórias que virão.

Temos a intenção de divulgar os textos do ANMT em outros blogs que nos abram este espaço, então fiquem atentos aos rodapés dos posts! Temos a intenção de continuar proporcionando a vocês, leitores (que sabemos que existem :') ), mais momentos de diversão com esta galerinha do barulho, então seria de grande valia saber a opinião de vocês sobre os episódios. Não sejam tímidos! Temos a intenção de ficar famosas, então fiquem de olho no Tv Fama. Temos a intenção de ganhar muito dinheiro, então fiquem de olho no BBB 15! Temos a int... Ah, chega!

Prepare as guloseimas e senta que lá vem história...


PALAVRAS-CHAVE: segunda temporada, vamo-que-vamo, fama, sucesso, cura do câncer

1x12 Conselhos de Vó

"(...) Outra que me deu conselhos foi minha avó paterna. Belíssima, não fazia por menos:

       - Cuidado com as feias, meu amor, elas são más.
      Tinha fixação pela beleza onde estivesse. Um dia morreu-lhe a vizinha de quem era amiga havia cinqüenta anos. A criatura se suicidou e vovó foi lá dar uma espiada. Na volta, me puxou de lado e disse: "Querida, se um dia você pensar em fazer isso, Deus me livre, mas, se pensar, faça-o com gás. Ela estava linda com a cabeça caída do lado do forno, toda rosadinha, esticada, nunca esteve tão bem."

(Uma vida inventada - Memórias trocadas e outras histórias, Maitê Proença, 2008)



1x11 Confidências

Há muito tempo eu venho fazendo isso e sei que é errado. É tão sujo e tão baixo o que faço, mas acredite em mim, eu não queria. Eu não quero mais fazer isso, mas a vida me obriga. Vocês todos me obrigam a fazê-lo 

Por favor, não me julgue. Não ajo assim por ser mau caráter, nem nada, mas preciso sustentar meus vícios e só agindo desta maneira é que consigo. É um crime e você merece uma punição. Eu sei que é o que está passando pela sua cabeça, mas se serve de consolo, eu já estou sendo punida. Sou penalizada a cada olhar inquisidor que me é lançado pelo vizinho. Ele sabe o que eu ando fazendo de madrugada, com certeza. Sabe e não hesita em demonstrar que sabe, mesmo que discretamente, como um segredo só nosso. Um segredo que virá a tona e que ele usará contra mim no tribunal. 

Assumo meu erro perante toda a Corte, assumo para não mais ser julgada, para não mais sair de cabeça baixa nas ruas porque sei que comentam pelas minhas costas. Ladrão, gatuno, larápio... Todos esses adjetivos já surgiram na minha mente enquanto penso no que estou fazendo. E sei que vocês me chamam assim. Fraco, covarde, medroso... Esses me surgem enquanto tento, mas não consigo, abdicar meus vícios. E sei que vocês pensam o mesmo. 

Só quero que saibam que é muito mais fácil para quem está de fora julgar essa situação. Vícios são difíceis de largar e simplesmente fingir que nunca existiram. Mas eu vou conseguir, abandonarei todos eles sem dizer adeus. Já não aguento mais a humilhação diária, já não sou capaz de suportar os olhares recriminadores, já não aguento mais ter que roubar a internet do vizinho. 


Postado originalmente em: 11/05/2013.